Cada um acredita no que quer. Tem gente que acredita em cobra de fogo que protege a natureza, tem gente que acredita em homem que se transforma em boto, tem gente que acredita em anão com os pés virados para trás, tem gente que acredita em guri com uma perna só, tem gente que acredita que comer manga e depois tomar leite mata, tem gente que acredita que o pé esquerdo dá azar e tem até gente que acredita que o Botafogo é um time grande. A maior forma de tradição da humanidade sempre foi a oral. A alma humana que não apenas exterioriza seus pensamentos através de palavras mas também dá vida aos sons que emite e faz com que a fantasia crie caráter de verdade, que a ficção deixe de parecer irreal e que a imaginação encontre amparo no mundo do concreto.
O ser humano que aprende por repetição, que absorve como verdade aquilo que lê e ouve cria o seu mundo muito mais pela forma com que este mundo a ele se apresenta e é apresentado, e assim interpreta, do que como realmente é. Coisas que o homem apenas repete sem ponderar e recebe e repassa como verdade. O mundo que nasce pronto e que precisa ser apenas copiado; pensamentos dos outros e emoções dos outros. O homem vive por aquilo que veio dos outros e por aquilo que lhe deram como verdade. A ausência da explicação plausível para que se diga que o Botafogo é um time grande é fruto de uma inerte sociedade cada vez mais com a massa cerebral massificada e que deixa de se aventurar pelo universo da realidade para lançar-se cegamente na obscuridade das lendas.
Apesar de todo o choque entre gerações e a aplicação da teoria da evolução no contexto social e que faz crer que as novas gerações se tornam mais conscientes do que as anteriores, o jugo do patriarcalismo ainda está presente no mundo em que vivemos. As histórias dos pais e avós, e que deixam de serem pensadas, se tornam verdades absolutas e incontestáveis que os mais novos vão apenas perpetuando como leis cósmicas justas e perfeitas. A lenda de que o Botafogo é um time grande é uma destas. Crianças, jovens e adultos que não têm motivo aparente algum para considerar a idéia de que o time de Recruta Severiano seja um grande clube cresceram e fazem crescer divulgando a grande fantasia de que o Botafogo é grande, mesmo sem qualquer ponderação e sem qualquer discernimento sobre tal assertiva.
Um dos maiores critérios para considerar que um time é grande é o número de títulos. Somente as conquistas tornam grande, os fracassos não. O Botafogo nunca ganhou o Mundial Interclubes, até porque nunca participou. Para o mundo o Botafogo não existe. O Botafogo também nunca ganhou a Libertadores da América. Para a América o Botafogo não existe. O melhor resultado do Botafogo na Libertadores foi ter chego à uma semi-final onde perdeu a vaga para a decisão do título após empatar o 1º jogo fora de casa em 1 x 1 e ter sido goleado no Maracanã no jogo de volta pelo Santos por 4 x 0, em 1.963. O São Caetano chegou à final da Libertadores em 2.002 e o Atlético-PR em 2.005. A América sabe mais quem é o São Caetano e o Atlético-PR do que quem é o Botafogo. Quem é visto é lembrado; como o Botafogo não é visto, por não participar de grandes competições, naturalmente não é lembrado.
Guarani em 1.978, Coritiba em 1.985 e o Bahia em 1.988 foram campeões brasileiros antes do Botafogo, que teve seu primeiro e único título em 1.995. Criciúma em 1.991, Juventude em 1.999, Santo André em 2.004, Paulista em 2.005 e Sport em 2.008 foram campeões da Copa do Brasil, o Botafogo jamais. O Botafogo é apenas o 4.º time em seu estado com o maior número de títulos (19). É o time de seu estado que mais tempo passou sem ganhar um único título estadual sequer, 21 anos (de 1.968 a 1.989). Pela insuficiência visível de conquistas entende-se porque um título estadual causa tamanha euforia na pequena torcida botafoguense, que comemora um campeonato regional com a alegria de quem comemora um mundial interclubes, como se fosse a maior das conquistas. Quem não tem mundial comemora regional.
O maior patrimônio de um clube é a torcida. É a torcida que move e faz um time ser grande. É a via de mão dupla entre a torcida e o clube. A torcida que apóia no estádio e o time que responde em campo e a torcida que compra produtos do clube e gera renda para mantê-lo. A torcida do Botafogo é de 2% da população brasileira, o que é considerado empate técnico com Bahia, Vitória e Portuguesa, todos com 1%. Considerando que o Bahia foi campeão brasileiro antes que o Botafogo e que há empate técnico em número de torcedores, não há razões razoáveis para dizer que o Botafogo é maior que o Bahia. Em termos de popularidade por regiões do Brasil, o Botafogo divide o último lugar da preferência dos brasileiros com o Fluminense em todas as regiões do Brasil, à exceção do Sul, onde a torcida é tão pequena que não chega nem a pontuar para ser considerada.
O Botafogo é um dos times já rebaixados para a série B do campeonato brasileiro e time grande não cai. Dos times considerados grandes do Brasil, o Botafogo é o único time que foi rebaixado e subiu sem ser campeão da 2ª divisão. O Palmeiras foi campeão em 2.003, Grêmio em 2.005, Atlético-MG em 2.006, Corinthians em 2.008 e Vasco em 2.009. Apenas o Botafogo, que consideram grande, não conseguiu voltar à elite sendo campeão. Seu ídolo mais recente, Túlio, nos anos que ficou no time (1.994 a 1.996, 1.998, 2.000 e 2.009) não conseguiu nada além de um campeonato brasileiro e um interestadual (Rio – São Paulo – 1.998). Foi considerado ídolo apenas por ter dado ao clube o título inédito, o brasileiro, o que demonstra o que faz a carência de alegrias em um clube. Para o Botafogo basta ganhar um campeonato que a situação vira lenda e por décadas e gerações se fala disto; até porque não tem outras conquistas para falar.
Um bom estádio também não faz parte da história do Botafogo. Alguns pensam que o Engenhão é do Botafogo, mas não sabem que o estádio é da Prefeitura do Rio de Janeiro e que o Botafogo é apenas administrador do local. Não existe qualquer lógica para dizer que o Botafogo é ou já foi um time grande. Isto é apenas lenda, são histórias repetidas como verdade e que acabaram associando-se ao imaginário popular e adquirindo a figura de uma realidade intransponível. O Botafogo não tem títulos, não tem torcida, não tem estádio, não tem estrutura, não tem muitas coisas e o “não ter” faz parte do Botafogo em toda a sua história. O torcedor do Botafogo tem todo o direito do mundo em acreditar piamente que seu time é grande, assim como os outros têm o direito de acreditar em Boitatá, em Boto Cor-de-Rosa, em Curupira, em Saci-Pererê e em todas as histórias que pais e avós contam.
Critérios racionais e lógicos não tornam o Botafogo um time grande, muito pelo contrário. Há milhares de times por todo o Brasil na mesma situação que o Botafogo, sem torcida e sem títulos de expressão e que por isto não são considerados grandes. Se o Botafogo não fosse do Rio de Janeiro, estado notoriamente observado pela mídia, seria apenas mais um time como tantos outros espalhados pelo país, que destituídos de lendas de grandiosidade e de glórias inexistentes encaram o destino de serem vistos pelo que realmente são. O torcedor do Botafogo não tem nada além da paixão por seu time para que o faça vê-lo como grande; mas, paixão por paixão, todo time então seria grande.
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