Os filmes de Tim Burton são como um passeio em um carrossel. Você vê bichos coloridos, alegres, divertidos, roda, roda, não sai do lugar e não vai a lugar algum. No começo se sente os movimentos verticais e horizontais mas quando se acostuma é como se não houvesse mais nada. Com Alice no País das Maravilhas não poderia ser diferente. Burton não é nenhum mestre da fantasia como Spielberg e não é nenhum mestre das emoções passageiras e triviais como Cameron e foi o seu detrimento destes fundamentos básicos que o fizeram criar mais um filme vazio, sem auto-determinação, com personagens descaracterizados, que sacrificam a empatia e projeção do espectador com os personagens, e cuja temática não ultrapassou em nada o já batido estilo Burton de jogar cores tristes e sem graça para vender para uma geração que acha que desenhar uma casa com uma árvore, um cachorro, nuvens e um Sol é ser comum, e assim, ser sem graça.
A introdução do filme já mostra que é Tim Burton. Isto até poderia soar como algo bom se realmente fosse algo bom. O clima soturno que cativa tão e somente os menos favorecidos culturalmente que pensam que arte é preto ou branco mas se esquecem do cinza contrasta com a essência da história. Burton se tornou mestre em vender o sombrio, o tristonho e o lúgubre para adolescentes e jovens de boa família, boa educação, corpo saudável e que não precisam se preocupar em pagar conta alguma no fim do mês. Burton não cria, Burton é a criação e a Alice no País das Maravilhas é a criadora e Burton não tinha como lutar contra o que isso representa e seu sórdido desejo de climatizar A Casa Monstro até em uma requiem foi rechaçada e assim teve que se contentar com uma simples introdução que metaforicamente não quer dizer nada.
O filme descortina-se com o maravilhoso clichê onde o pai de Alice diz que “o caminho para alcançar o impossível é acreditar que é possível”. O filme acaba aí. Tudo que irá acontecer depois sempre será remetido a isto mesmo que não tenha conseguido por em xeque em momento algum para o espectador a dúvida sobre ser um sonho de Alice tudo aquilo ou não. O filme parte de uma premissa que não desenvolve, não conclui e não dá aparato para que o espectador o faça. Fazer acreditar que o possível é impossível existe desde Peter Pan, História Sem Fim, filosofias orientais, livros de auto-ajuda e até campanha de redução de peso. A tentativa de uma mensagem vazia e embrutecida pela trivialidade. Alice não precisou acreditar no impossível e o impossível não desafiou Alice.
A estereotipação de uma Alice de classe alta, com vida regrada, dando uma de manola e querendo chocar a sociedade vitoriana não difere em nada dos personagens estigmatizados anuais de Malhação, dos de Fernanda Vasconcellos e de qualquer filme com Lidsay Lohan. Alice quer ser ela mesma, dona do próprio nariz e não ser obrigada a fazer o que não quer mas ao estar no País das Maravilhas não demonstra a sensação de liberdade que qualquer pessoa teria ao se ver livre daquilo que lhe enclausurava. Alice deixa claro o tempo todo que é um sonho seu e que o controla mas adota uma postura passiva e não criadora do seu próprio sonho lúcido, se deixando levar pelos fatos, obedecendo as regras que lhe impõem e não aproveitando. É como um pássaro preso que ao ser libertado reluta em sair de sua gaiola.
Alice não tem desejo, não tem vontade e não é movida por nada. Não tem anseio em sair do mundo de regras em que vive e não reluta na prisão do seu mundo dos sonhos. Um filme sem anseios, criado por um diretor que ciente de seus limites também não anseia, com uma protagonista sem anseios não poderia criar anseios em quem assiste. Alice não teme e nem teme por nada. Alice foi transformada em uma heroína mas não se fez como. Sua condição de nobre feliz em um mundo e dona do outro não lhe deu valores para manter. Não desafiou e não foi desafiada. Não foi testada em valor algum. Não tinha e ninguém lhe deu motivação para terminar com a ditadura da Rainha de Copas. Uma Alice sem genialidade e que apenas vai seguindo os caminhos da computação gráfica jogada por Burton.
Johnny Depp, coitado, conseguiu vincular sua carreira a quebra-galhos de papéis medíocres em filmes que beirando ao cult se fazem pop pelo marketing. Não é por nada que ele nunca ganhou um Oscar. Se continuar fazendo filmes para crianças em que passa mais tempo se maquiando do que atuando é óbvio que nunca ganhará um. Talvez ele também não se interesse tanto por isso senão já teria parado de fazer filmes engraçadinhos, legaizinhos, desprendidos de função acadêmica e que têm como estratégia serem lançados em férias escolares. Para ganhar um Oscar é preciso mais do que personagens excêntricos, com roupas esquisitas e trejeitos ocultos. Depp pode viver o resto da vida fazendo filmes assim, mas não pode reclamar se encontrar um Sean Penn na disputa do prêmio e … bem…
A Rainha de Copas não tem postura imperativa coerente com seu poder moderador e intransigente chegando a ser mais dócil que a Fada-Madrinha de Fiona, o Gato deixou de ser misterioso e enigmático para ser… nada, o Coelho que deveria ser frenético e implicar sensação de perda de tempo para o espectador não existe no filme, o Valete de Copas, sendo guarda real, demonstra menos pulso e firmeza que o delicado Príncipe Encantado de Shrek se tornando figura meramente ilustrativa e descartada no filme, o Chapeleiro Maluco só é maluco quando o lembram de ser e quando deixam bem claro que ele é. Não tem trama para ter gradação de desenvolvimento e por isso não tem clímax, a desassociação entre o mundo real e Wonderland é vergonhosa e mais vergonhosa ainda foi o faz de conta de associação com a analogia dos gêmeos no final.
Não que a estória de Alice tenha muito a acrescentar, até porque são os próprios leitores que subjetivam tudo aquilo para encontrar um sentido maior no que não tem, inventando milhares de teorias pra justificar uma menina caindo em um buraco, quando talvez até para o autor da obra uma menina cair em um buraco significa uma menina cair em um buraco. Mesmo assim Burton conseguiu criar nada. Alice in Wonderland de Tim Burton como é nada, não leva a lugar algum, é despretensioso em propósito e assim se faz inútil. O que resta ao espectador é rezar para que o pretenso legado de Tim Burton nunca seja reconhecido ao ponto de ganhar um Oscar e ser considerado como precedente para a criação de uma nova cultura de uma contra-cultura. Hollywood não precisa disso, pra isso tem a internet.
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