A derrota e o fracasso criam mitos. As pessoas precisam de respostas, por isso idolatram a ciência ou a religião, pois sempre haverá alguém lhes dizendo o que, como, onde e porquê. Quando se trata se insucessos mais ainda. A resposta dá a certeza e a certeza dá a segurança. Não ter a resposta de algo é não ter chão e as pessoas preferem o chão às estrelas. Quando algo ruim acontece precisam então ter uma explicação que lhes ampare e mais ainda que tire de si a responsabilidade pelo seu insucesso. Assim surgem os mitos que vêm acalentar a todo aquele que precise de consolo diante daquilo que lhe é trágico. A problemática surge quando esta resposta é falsa, a pessoa se prende à mentira, deixa de aceitar a verdade, tentar superar o problema e se torna cativo de mentiras que ela conta à si mesma para se sentir menos impotente no pleito. Em relações amorosas não poderia ser diferente.
Homens derrotados e fracassados que não conseguem nada com as mulheres dizem a si mesmos, a Deus, ao mundo e quem queira ouvir que mulheres gostam de caras com carro. Criaram a idéia que mulheres apenas se interessam por homens com carro e quando se acredita em uma mentira como sendo verdade ela passa a ser verdade. Por isto falam de tal assunto com tamanha naturalidade como se fosse uma das maiores verdades do universo: que mulheres querem caras com carro. Não sentem receio algum em falar isso, não há qualquer reprimenda em própria consciência e o mito espalha-se como verdade por toda a sociedade a ponto de todo homem desde pequeno já crescer ouvindo isso. A idéia vem sido passada de pai para filho, irmão a irmão, como herança cultural de uma sociedade repleta de aleijados mentais.
Este mito nada mais é que uma resposta, e de entrega, ao próprio subconsciente em que o homem responde a si mesmo o motivo de seu próprio fracasso e derrota e tira de si a responsabilidade jogando para um fator externo ou para um futuro incerto toda a improcedência de suas investidas. O homem, quando adolescente, já aprendeu a jogar para a maioridade a solução de seus problemas amorosos e carnais, justificando que por não ter carteira de habilitação não consegue nada com as mulheres. Diz o homem quando jovem: “quando fizer 18”, “quando tiver carteira” e “quando pegar o carro”. Depois que atingem a maioridade, se habilitam, conseguem o carro e mesmo assim não conseguem nada esta postergação continua quando o homem tenta criar impedimentos para sua responsabilidade em obter sucesso com as mulheres; passando então a dizer que a mulher não o quis pois “há alguém com um carro melhor”. A culpa nunca é do homem, é sempre “da mulher que quer um carro melhor”.
O carro é a consumação do fator externo. Quando o homem joga para o carro a responsabilidade de seu fracasso ele tira de si a culpa que deixa de ser dele e transfere para o carro, o bem que ele não tem. Quando não tinha carro a desculpa era não ter carro, depois que tem, a desculpa é não ter um melhor. Sempre acaba achando um jeito de se justificar neste mito, nunca olha para o próprio espelho e vê o que há em frente. Este mito, uma verdadeira mentira, serve de consolo ao homem assim ele nunca terá que encarar a verdade. A verdade de que muitas vezes a mulher não o quis por achá-lo feio, burro ou chato. É melhor para o homem dizer a si mesmo e aos outros que não conseguiu uma mulher por um fator externo, e que está fora de seu alcance e responsabilidade, e por culpa da mulher do que aceitar que seu insucesso decorre de sua feiúra, sua burrice ou sua chatice. Desta forma o mito se expande de geração à geração. Sendo a mulher os céus o carro virou a cruz de Cristo, o caminho para a salvação. Até mesmo homens mais idosos que viveram na geração retrasada já estão dizendo que é preciso carro para ter uma mulher, demonstrando a força do mito que até retroatividade adquiriu.
O homem então vai se tornando um quadrúpede, um ser que tem como único objetivo comprar e tratar de um carro para sair e achar que preencheu um requisito objetivo para conquistar uma mulher (como se fosse possível alguém que tenha o polegar opositor acreditar que existem requisitos objetivos em uma conquista amorosa). Esquece que existem muitas coisas mais que deve desenvolver e que estas sim lhe faltarão em seu objetivo. Movem sua vida para conseguir sexo e acham que o carro é o passaporte para o playground. Não fazem mais nada e não são mais nada. Naturalmente que uma mulher não vai ter absolutamente interesse algum em um cidadão que nada tem além de um carro. Não tendo nada a oferecer, sendo apenas um corpo dentro de um automóvel e não conseguindo nada voltam ao seu consolo da mentira de que seu insucesso decorre de não ter um carro melhor.
A mulher acaba tendo que conviver com o universo deste mito, de sempre que rejeitar um homem, pelo motivo que for, correr o risco de ser indicada como aquela que quis um carro ou um carro melhor, quando na verdade não está nem aí para isso e não quis o homem por infinitos outros fatores; fatores estes que os homens ao invés de despertarem, adquirirem consciência daquilo que lhes faltou para conseguir quem querem, e tentarem mudar, resolvem aceitar a própria mentira com naturalidade tamanha de uma grande verdade. O homem orienta sua vida para ter um carro porque acha que precisa de carro para obter sexo e depois a mulher é que é taxada de “fútil” sendo acusada por fracassados e derrotados de só se interessar por quem possua automóvel quando na verdade foram outros fatores que a fizeram rejeitá-lo. Aquele que não tem nada a oferecer pode ter tudo e mesmo assim nunca nada terá. O fracasso e a derrota acompanharão o homem aonde for e não existe carro algum no mundo que possa mudar isto.
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