Os crentes dizem que a cirurgia espiritual é coisa do Diabo. Dizem que o Diabo tem poder para tirar o que ele mesmo colocou, a doença, e por isso as cirurgias espirituais costumam dar certo em um primeiro momento e que, entretanto, o Diabo dá com uma mão e tira com a outra e assim após um tempo o problema volta e até muitas vezes pior do que antes. Os crentes não deixam de estarem certos. No mundo da imponência da matéria o impacto no consciente sempre é almejado mais do que o subconsciente e é preciso chocar para aparecer. Assim surgiu o movimento carismático católico com a criação dos padres-show que levam multidões às reuniões para ver o popstar que aparece na tv, as igrejas evangélicas que se utilizam de passagens bíblicas para fazer grandes campanhas e arracadarem fundos milionários sempre se escorando em objetos, utensílios, artefatos, músicas, vozes imponentes e drama e até mesmo o espiritismo que nunca deixou de se aproveitar do seu médium-prodígio e suas psicografias, mesmo que gerando dissidência entre o próprio movimento sobre a utilização de determinada prática, e que continuam ganhando até hoje com obras e filmes. Nada errado para quem apenas quer criar e manter o seu espaço.
Em verdade, a cirurgia espiritual ocorre mas passa longe de ser da forma como a propaganda religiosa divulga. O propósito do nobre ato não se resume a apenas um espírito mais elevado utilizar-se de um mecanismo terrestre, um corpo humano, através do contato, médium, para curar os desgraçados humanos encarnados e muito menos se fazendo uso de práticas instigadoras que desafiam a medicina convencional através de gestos que chocam os olhares dos populares. Para quem já teve a oportunidade de acompanhar uma cirurgia espiritual no plano espiritual sabe que não são necessárias grandes dramatizações que se tornando verdadeiros espetáculos atraem os cidadãos comuns de fé, a verdadeira cirurgia espiritual não carece de atuação física. Os espíritos simplesmente podem intervir na saúde física de uma pessoa através da ação no plano espiritual, enquanto a pessoa dorme, sem qualquer ato físico, apenas com a imposição de mãos e de luz e o principal: jamais vão ir de encontro aos propósitos da Providência Divina e curar alguém que precisa estar doente, seja para aprendizado ou por karma. A metódica da cirurgia espiritual milagreira é apenas propaganda religiosa e desvirtua a verdadeira essência do ato.
A cirurgia dita espiritual aproveita aquilo que as pessoas fervorosas em fé mais clamam: o milagre visível. Os atos na cirurgia espiritual dotados de procedimentos suspeitos e impactantes sugestionam o cidadão comum à eterna relação de vassalo e senhor que toda religião precisa. Não existe comando unilateral, para que haja um comandante é necessário um comandado. A expressão do poder espiritual na realização da cirurgia impactante cria a atmosfera do sobrenatural que condiciona o subconsciente através do consciente assim como os rituais de magia. A cirurgia espiritual realizada no plano físico com utensílios cirúrgicos, sumária e sem procedimento condiciona a quem assiste à submissão a algo, a Deus que avaliza o ato, que é representado por alguém, o médium, e em uma determinada instituição, a religião. O que mantém uma religião são seus dogmas. Toda religião é conservadora por natureza e obrigar-lhes à destituição de seus preceitos é condenar-lhes ao fim. Estes dogmas adquirem força maior quando se tratam de monopólios de ausência e presença de institutos e é com isto que as religiões guerreiam para adquirir a patente e monopólio de determinados institutos e criam a heresia para afastar o ensinamento exterior.
Diante disto surgem as divisões entre as religiões, onde para cada uma é melhor possuir sozinha uma fatia do bolo do que dividir o bolo todo com todos. É assim que as religiões mantém-se por séculos e séculos, aproveitando-se das centelhas da Verdade quais cada uma monopolizou e que atendem às centelhas individuais que são atraídas para cada uma em especial. Consegue-se separar as religiões e dizer que determinado conhecimento é obra de tal religião e que disto apenas esta pode falar. As outras religiões, compactuando na divisão de tarefas nada fazem, pois se trata de uma mecânica onde todas ganham. Se determinado conhecimento espiritual se mostra primeiramente por determinada pessoa e esta pessoa foi de determinada religião esta determinada religião vai requerer a patente deste ensinamento e assim irão surgir as ideologias aleijadas de “psicografia é coisa de espírita”, “jihad é coisa de muçulmano”, “shabat é coisa de judeu”, como se a Verdade tivesse patente e alguém pudesse requerê-la, como se fosse preciso ser muçulmano para ter a jihad interna, como se fosse preciso ser judeu para guardar o shabat e como se fosse preciso ser espírita para tratar de psicografia. A cirurgia espiritual vem de mesma forma querendo ser patenteada por determinadas instituições que se acham no direito natural de reservá-la.
A religião que imoderadamente se empossa da cirurgia espiritual não perde tempo em jogar-lhe todos os dogmas que forem possíveis e assim como todo ato religioso adquiriu a dimensão de um grande show e seus dogmas embutidos impedem que as pessoas observem o que realmente ocorre; como quando endeusam os espíritos que fazem estas cirurgias, quando na verdade o poder de cura é conhecimento notório para espíritos elevados. Toda doença é resultado de uma desarmonia de sentimentos e pensamentos e a ciência médica humana não conseguindo submergir no universo da ação apenas procura satisfazer os efeitos das reações daquilo que chamam de doença. O corpo humano pode curar-se sozinho, independente de remédios. Droga-se o organismo com remédios para dores, febre e mal-estar como se fossem doenças e não efeitos das mesmas. As doenças no corpo físico, que resultam de desarmonias de pensamentos e sentimentos, quando entendidas pelo homem consciente deixam de existir. O interessado em espiritualidade é experimentador por natureza e ciente das lei de ação e reação deixa de sofrer quando compreende que as mesmas ações levam às mesmas reações e que determinados pensamentos e emoções levarão a determinadas reações em seu corpo. A doença serve então como um aprendizado para a vigília do próprio Eu Interior.
Algumas doenças, em determinadas pessoas, tem origem kármica. O homem ignorante da sistemática da Providência Divina desconhece que os males de uma vida anterior se refletem na vida presente. Toda desarmonia energética há de ser compensada. Muitas pessoas que em vidas passadas fizeram grande mal a outrem reencarnam desde cedo sofrendo com grandes doenças das quais as pessoas sentem pena e alguns até chegam a duvidar da existência de Deus ao ver demasiado infortúnio. Isto nada mais é que ignorância da existência como um todo. Esta mesma pessoa que sofre tanto com uma doença, em uma vida passada pode ter sido um assassino que tirando a vida de outras pessoas gerou grande mal a várias famílias. Mas o homem só olha o: “está sofrendo = coitado”. A condolência nunca é equivocada, mas o homem deve ter ciência que nada é por acaso, que ninguém sofre à toa, que nenhuma doença vem do nada e que tudo que uma pessoa sofre é resultado do que ela mesma criou, seja por seus sentimentos, seus pensamentos ou seus atos. Ciente de que as doenças de origem kármica cumprem sua função no grande plano da evolução seria a maior imbecilidade do universo achar que bastaria uma cirurgia espiritual para tirar-lhe o efeito. Se o karma pudesse ser recolhido magicamente não teria necessidade de existir.
Alguém em uma vida passada mata 100 pessoas, reencarna com grandes chagas e então basta vir um espírito curador através de um médium para tirar-lhe o mal? Na atual vida, a pessoa tem plena ciência dos males do cigarro e da bebida, fuma e bebe como um porco por décadas, destrói o seu organismo, adquire cirrose e câncer de pulmão, então aparece um espírito do nada e lhe tira todo o mal? A pessoa vive com pensamentos e sentimentos negativos, fomenta-os dia após dia com uma atitude mental perniciosa, adquire toda forma de tumores então basta que um espírito bonzinho desça e lhe tire todo o mal que a pessoa mesma gerou a si? Pode não parecer difícil entender, mas as pessoas realmente acreditam que seja assim. Basta fazer uma cirurgia espiritual e pronto, todos os males somem. Mas que sentido haveria isto para a Providência Divina? No grande plano de evolução cósmica o que aprenderia o homem se cada vez que errasse alguém consertasse para si? Certamente nada. O homem precisa aprender a crescer, a evoluir, a adotar posturas mentais melhores, a pensar e sentir melhor, a perdoar, a não se ater às coisas pequenas, precisa aprender a conhecer o seu corpo, tomar consciência do seu duplo Eu e aprender a vigiar através do aprendizado com os erros.
A curta percepção da situação como um todo impede que as pessoas possam ver as coisas com mais clareza. Há famílias que não se entendem, não se falam, um não olha para a cara do outro, mas a partir do momento que um membro da família se acidenta ou adoece e passa a precisar dos cuidados e da ajuda de todos, a família se une. Muitas famílias aprendem a noção da comunhão através da adversidade da doença; se juntam, fazem rifas para conseguir os valores necessários ao tratamento do enfermo, doam o que têm e doando aprendem a ser menos materialistas e menos apegados. A pessoa enferma que não tem ciência do quão a vida é uma dádiva mas que quando se vê à beira da morte agradece a Deus por cada dia que acorda vivo. O homem não aprende nada na apatia, mas na adversidade, no desafio, na batalha para vencer as adversidades da matéria e também na luta para vencer a doença. Pessoas que vencendo uma doença mudam completamente o seu jeito de ser consigo mesmas e com os outros tornando-se pessoas melhores. Tudo isso é experiência necessária e que os espíritos mais elevados em conhecimento sabem que as pessoas precisam vivenciar e por isso não interferem.
O que os espíritos fazem nas cirurgias espirituais é apenas aliviar a situação do enfermo. É como uma pessoa que está carregando um grande fardo ladeira acima, que em determinado momento o cansaço lhe pesa por demais e a pessoa pensa em sucumbir. Então alguém aparece e lhe dá uma pequena força na caminhada, ajuda por um instante a carregar o fardo para que ela não desista e para que continue a caminhada. Assim é a ajuda dos espíritos na cirurgia espiritual. A pessoa tem que carregar o seu fardo, ninguém irá carregar por ela pois é dever dela carregar. Justamente por isto que as pessoas que passam por cirurgias espirituais tem uma melhora instantânea e tempos depois o problema volta e até mesmo maior, pois o problema não foi resolvido e caberá à pessoa resolver. Neste ponto os crentes acabam tendo, inconscientemente, mais consciência do que os espiritualistas, pois não estão errados em dizer que o problema volta depois. A cirurgia espiritual é mais uma forma de amparo, uma ajuda de emergência para dar forças básicas e essenciais para que a pessoa possa continuar o seu caminho e não sucumbir.
Cada um possui o seu próprio caminho e deverá ter responsabilidade pelos seus atos. Ninguém pode e deve carregar a cruz de ninguém. Se alguém fez mal a si mesmo ou a outrem de tal forma que houvesse reações físicas que a humanidade chama de doença terá que vivenciar a experiência, aprender e não errar mais. A mídia feita em cima de médiuns que realizavam cirurgias espirituais, como Dr. Fritz e Zé Arigó, apenas serve ao propósito das religiões de captar clientela para a sua própria instituição. Da mesma forma que a ciência tradicional peca ao tratar o efeito, as instituições voltadas à espiritualidade erram ao apenas criar ações de cura pela cirurgia espiritual, que tratam apenas os efeitos e não a causa. A causa é que deve ser trabalhada e transcendida, do contrário, continuará lá, a pessoa irá curar um câncer como efeito mas a causa que gerou este câncer continuará e assim aparecerá outro câncer. Os espíritos superiores, cientes das leis cósmicas, não interferem no caminho de cada um e exatamente por isto que não existem cirurgias espirituais milagreiras conforme se divulga pela propaganda religiosa, que transforma um ato simples, natural e de compaixão em pura balela recheada de inverdades e mitos.
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