Que uma mão não deve saber o que a outra dá até um jegue sabe. Entretanto, a exposição em redes sociais, seja através de fotos ou de vídeos, de ações de caridade realizadas por maçons é uma realidade, bastando ver perfis de Lojas maçônicas no Instagram, e não apenas é uma realidade como tornou-se regra. Tornou-se regra divulgar as ações sociais realizadas para todos verem e muitos maçons, que absolutamente não concordam com a exposição de caridade para o público e em redes sociais, pois acreditam que uma mão não deve saber o que a outra dá, acabam passando a acreditar que isso está certo, porque “todo mundo faz”, “todo mundo aplaude” e “ninguém fala nada”. Ocorre que a exposição em público e na internet em geral de caridade não tem coisa alguma a ver com caridade e é preciso deixar isto claro sob pena de a maçonaria esquecer completamente, mais do que já esqueceu, que uma mão não deve saber o que a outra dá e que o único propósito da caridade é ajudar um pouco nossos irmãos a carregar seus fardos.
Inúmeros maçons acham que é normal visitar uma pessoa desgraçada pela vida, que vive em uma casa caindo aos pedaços, com esgoto ao céu aberto correndo ao lado de casa, de chão batido, sem forro, sem reboco nas paredes, vivendo uma situação de miserabilidade total, passando fome e sem forças para se levantar e tirar fotos ao lado dessa pessoa posando ao lado de uma miserável cesta básica e postar isso no Instagram, no Facebook ou no WhatsApp. Os maçons que acham que há normalidade nisso são a esmagadora maioria e a minoria, que sente que há algo errado nisso, coisa alguma de fato faz efetivamente para que isso tenha um fim. Uma Loja maçônica que faz questão de mostrar a Deus e ao mundo suas ações de caridade através de fotos e vídeos na internet se apequena cada vez que o faz, pois a grandiosidade de uma Loja está na capacidade que seus membros têm de aprender, desenvolver e praticar os princípios maçônicos e não é algo maçônico ostentar suas ações, quanto mais ações de caridade.
Caridade não pode ter um preço, senão, obviamente, não é caridade. As pessoas pobres que recebem algo em caridade não podem ter que pagar o preço de uma foto ao lado de quem lhes deu algo ou de permitir um vídeo em seu lar. A conduta de tirar uma foto posando ao lado de uma família miserável que recebe algo em ajuda assemelha-se em espírito às fotos tiradas durante a época da escravidão onde os escravizadores posavam ao lado dos escravizados como ostentando uma conquista e os escravizados aparecem inertes, incapacitados de qualquer reação que não a concordância absoluta com a foto que seu então senhor almejava. Os vídeos feitos em casas de pessoas carentes ao lhes dar algo em ajuda assemelham-se em espírito aos quadros de programas de TV onde apresentadores apresentando-se como “caridosos” fazem questão de usar a necessidade material alheia como forma de entreter o público e garantir audiência. Fotos e vídeos em ações de caridade, expondo as pessoas que recebem a ajuda, constrangem e diminuem as pessoas.
Um pobre miserável desgraçado que não tem o que dar de comer à sua esposa e a seus filhos e vive em uma casa onde sequer há piso e forro tem sua dignidade, mas a necessidade de alimentar sua família acaba sendo maior do que a sua própria dignidade e ele por muitas vezes acaba submetendo-se a condutas de outros que lhe tiram a dignidade, como posar com um sorriso amarelo em frente ao barraco onde mora segurando uma cesta básica junto com bacanas bem vestidos, mas não quer dizer que por ele posar para a foto que isso seja algo que ele deseje do fundo da sua alma. Acontece que um homem nessa situação não tem força e coragem para dizer um “não” a toda essa gente que lhe chama sorrindo para tirar a foto, pois ele acaba ficando na situação de que a foto é “o mínimo” que ele pode fazer por quem lhe ajudou, o que de fato acaba sendo o seu “pagamento” pela ajuda e assim sendo anulando completamente o espírito da caridade. Desta forma, quem ajuda em uma situação dessas não está ajudando, está apenas trocando a ajuda pela foto.
Para o maçom a verdadeira aplicação de uma mão não saber o que a outra faz na caridade é a caridade anônima, onde quem recebe a ajuda do maçom não sabe que foi ele que o fez para que possa lhe agradecer e para a ele sentir-se grato ou até mesmo em dívida. Quando uma pessoa muito carente recebe uma ajuda ela naturalmente sente-se agradecida à pessoa que lhe ajudou e o seu sentimento de gratidão, por mais que nobre, pode de fato revelar-se em uma contraprestação à ajuda, anulando por si só a caridade. Por isso a verdadeira caridade maçônica é anônima, pois qualquer coisa que o maçom receba em resposta à ajuda, seja um “obrigado”, um abraço, um sorriso, um aperto de mão ou o sentimento de gratidão, será uma contraprestação metafísica à ajuda, anulando assim a caridade. Se uma pessoa ajuda alguém porque “se sente bem” com a ajuda ela está recebendo o pagamento da ajuda com o bem estar. Sempre que um ato de caridade não for anônimo haverá de uma forma ou de outra alguma forma de contraprestação.
Todas as pessoas têm dignidade, pois a dignidade faz parte da própria centelha divina que habita o interior de cada um dos homens. A centelha divina que há dentro de cada um é a imagem e a semelhança de Deus e isso possui uma dignidade. Essa dignidade por sua própria natureza faz de todos os homens iguais, do rico ao pobre. A centelha divina que há dentro de cada um lembra que todo homem deve andar de cabeça em pé, não por orgulho ou vaidade, mas porque o Grande Deus Criador habita dentro de si. Não é destino do homem a humilhação, não é destino do homem o rastejar. O homem tem a dignidade “simplesmente” porque o Grande Deus Criador habita dentro de si e ninguém pode lhe tirar isso, por mais que algumas pessoas tentem, o tempo todo e de todas as formas, tirar a dignidade mínima que cada pessoa tem o direito de ter. O pobre miserável que recebe uma cesta básica tem a mesma dignidade de quem lhe dá a cesta básica e ninguém há de tirar a dignidade do outro, mesmo que com uma simples foto para propagar pela internet.
Nenhum pai de família que não consegue alimentar a sua esposa e seus filhos se sente feliz por tirar uma foto ao lado de pessoas que estão em sua miserável casa para lhe dar o que comer e à sua esposa e filhos. Nenhuma dona-de-casa que não consegue ter sequer uma boca de fogão em casa e que vive em uma casa miserável se sente feliz por ter pessoas entrando em sua casa e filmando uma entrega de uma geladeira. Essas pessoas aceitam as fotos e os vídeos porque chegaram a um ponto onde não possuem mais forças e coragem para falar qualquer coisa contra aqueles que lhes estão ajudando, mas todo ser humano tem dentro de si uma dignidade natural; ninguém quer expor ao mundo o seu fracasso, a sua desgraça, a sua má sorte, a sua pobreza, a sua indignidade material e a sua casa feia. Todo mundo tem dignidade, ninguém quer ver sua pobreza propagada pela internet e as fotos e vídeos feitos em ações sociais com pessoas pobres atingem diretamente a dignidade espiritual de cada um.
Com o passar do tempo maçons passaram a priorizar a vida profana em detrimento da espiritualidade que há na maçonaria e os princípios maçônicos foram colocados ao relento em favorecimento da busca por riqueza material. Por que se preocupar com irmãos maçons publicando fotos de ações de caridade na internet e “arrumar encrenca” na maçonaria se o propósito maior da pessoa ali dentro é o networking para conseguir algo a mais no mundo profano? Por que “arrumar confusão” dentro da própria Loja maçônica se insurgindo contra alguém que para entregar uma cesta básica para uma velhinha de 80 anos precisa fazer um vídeo de 10min e propagar em grupos de WhatsApp de maçonaria se é mais importante ficar quieto para “não se queimar” na Loja? Por que ser o único a “criticar” o Venerável Mestre da Loja que apóia a exposição da caridade se todo o resto da Loja concorda e assim se tornar o “chato” da Loja? Um maçom não pode ter medo de falar, mesmo que seja voz única contra a maioria.
Não há a mínima necessidade de maçons tirarem fotografias ou fazerem vídeos de qualquer ato de caridade que façam, pois a caridade só é caridade quando é feita absolutamente sem intenção. Quem tira foto e faz vídeo de uma ação social de ajuda a miseráveis e expõe isso na internet tem algum propósito, pois senão não faria. Quando uma pessoa faz o bem, Deus sabe e é isso que importa. Em verdade, um verdadeiro ato de caridade, em seu mais puro e belo espírito, é anônimo. Se um maçom quiser ajudar alguém ele não precisa sequer ir até essa pessoa para entregar a ajuda, ele poderia se valer de terceiros para sequer aparecer. O maçom que verdadeiramente entende o que é a caridade sequer precisa do agradecimento de quem ajudou, pois ele se satisfaz consigo mesmo em seu próprio ato, não na contraprestação do ato através do agradecimento. A caridade de maçons deveria ser anônima, já deixou de ser e agora, não apenas deixou de ser anônima como passou a ser pública através da publicação de fotos e vídeos na internet.
Ao Grande Arquiteto do Universo todos somos absolutamente iguais. Nossos irmãos que hoje precisam de cestas básicas podem ter sido no passado os senhores daqueles que hoje lhes prestam auxílio. Em verdade, o mistério da caridade não é para os que recebem a ajuda, mas para os que ajudam. Os que ajudam pensam estar ajudando, quando na verdade estão sendo ajudados por aqueles que se colocaram em situação de receber ajuda, pois para aprender a ajudar é necessário que haja quem possa receber ajuda. A sagrada maçonaria sabe que uma mão não deve saber o que a outra dá, mas a destruição da maçonaria chegou a um nível grotesco, onde não apenas maçons fazem questão de aparecer como papais noéis aos ajudados entregando presentes como também fazem questão de publicar o ato na internet através de fotos e vídeos. Deus não precisa de fotos e vídeos para saber o que cada um faz e não há sentido algum em um maçom fazê-lo a não ser, de uma forma ou de outra, em um nível ou outro, aparecer, principalmente para fins políticos.
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