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  • Rudy Rafael

O Grêmio e o Palmeiras não são o Flamengo

Nos sete mares e nos cinco oceanos o discurso vazio e repetitivo sobre o controle das massas já se fez ecoar e não fosse a extinção natural, o pobre Megalodon teria morrido de tédio e desgosto ao ter que ouvir essa baboseira desmedida. Basta ter língua e um dente para qualquer um começar a pregar contra as novelas, a TV e o Big Brother; como se a única alienação que existisse estivesse dentro da caixinha eletrônica e como se todo o insucesso de sua vida e as hastes que recebe fossem culpa de quem matou Saulo Gouveia. Quando se entende que as pessoas sempre querem alguma coisa e sempre querem estar por cima da carne seca fica fácil iludi-las com truques fajutos criando ilusões baratas e fica ainda mais fácil quando se trata da paixão irracional dos torcedores de futebol que não enxergam nada além do que querem ver.

A novela da transferência de Ronaldinho Gaúcho para o futebol nacional, pela forma em que foi encerrada, mostra perfeitamente como a população é um amontoado de dons quixotes iludidos e que amam a ilusão. Torcedores de Grêmio e Palmeiras, que engoliram sem piscar a “heróica” retirada de seus clubes pela disputa por Ronaldinho, exemplificam o nível de consciência da sociedade, onde as pessoas desconhecem o verbo ponderar, onde as formas sobrepõem-se aos princípios e onde existe um grande cérebro que pensa por todo o povo, do qual este apenas conecta-se, suga, absorve e obedece aquilo que pensaram por ele. Táticas pré-históricas foram usadas para fazer com que os torcedores de Grêmio e Palmeiras achassem que seus clubes são maiores e melhores do que realmente são.

O comércio brinca muito com isso. Um produto teria que ser vendido por R$ 100,00, então, o comerciante anuncia o preço de R$ 150,00 e coloca alguma “promoção” que “barateie” o produto por R$ 135,00 ou R$ 130,00. A pessoa comprará e pensará que está no lucro, pois teve desconto; quando na verdade o produto teria que ser vendido por muito menos do que ela pagou. Se o comerciante anunciasse o produto já com o desconto não atrairia tanta clientela. As pessoas sempre querem sentir que estão ganhando, principalmente em detrimento de outrem, e por isso a promoção atrai mais clientela do que o preço baixo. O preço baixo não traz a sensação de ganho, o desconto sim. Por isso a loucura do consumidor é maior na busca por ofertas, descontos e liquidações do que pelo preço baixo. O importante é sempre fazer o consumidor pensar que saiu ganhando.

Em um país movido pela propaganda do estudo, pessoas acham que são muita coisa por fazerem faculdade, mesmo que não estudem em uma universidade. Este sentimento de superioridade tende a desaparecer depois da formatura, quando a necessidade faz trabalhar em qualquer coisa para sobreviver. Porém, durante o curso muitos estudantes de ensino superior acham que são conscientes e ocupam o tempo livre, que não é pouco, rebelando-se contra o que for possível. Nas universidades privadas os órgãos estudantis comemoram espetaculares acordos com as reitorias onde conseguiram reduzir o percentual do aumento das mensalidades. A mensalidade deveria aumentar em 6%, a reitoria joga 14% e os estudantes saem pulando, bebendo Malta e comemorando a vitória do aumento de 10%. E a propaganda do universitário consciente continua.

Com o desfecho da transferência de Ronaldinho Gaúcho para o futebol nacional foi exatamente a mesma coisa, a mesma ilusão. Grêmio e Palmeiras conseguiram sair da derrota na disputa como grandiosos heróis defensores da moral e dos bons costumes. Os mesmos clubes que há tempos estavam participando do “leilão” de Ronaldinho, onde todos faziam o que fosse possível no intuito de contratá-lo, após a confirmação do acordo do Milan com o Flamengo magicamente retiraram suas propostas e vieram com todo o discurso moralista repreendendo a postura de seu empresário, Assis, e maldizendo toda a negociação. Os mesmos clubes que estavam ali há semanas disputando pau a pau o Ronaldinho, fazendo e cobrindo todas as outras ofertas, fazendo e refazendo contratos, de uma hora para a outra saem daquilo que disputavam e vendem o grande peixe da “dignidade” e da “honra” aos torcedores.

A disputa pela transferência de Ronaldinho para o Grêmio e para o Palmeiras do jeito que estava sendo conduzida foi válida para estes até o momento em que o Milan entrou em acordo com o Flamengo. Grêmio e Palmeiras após perderem o “leilão” se retiraram dizendo que não estavam de acordo com o método de como tudo aquilo, que eles mesmos tinham criado ao disputarem Ronaldinho, estava sendo conduzido. Para o Grêmio e para o Palmeiras foi tudo digno e honroso pelas semanas em que a negociação se estendeu com suas participações efetivas e simplesmente deixou de ser quando o Milan entrou em acordo com o Flamengo. Oras, se aquilo era tão desonroso por que não saíram antes? Por que ficaram semanas ali tentando? Por que não saíram da disputa por Ronaldinho logo no começo quando ambos perceberam as negociações paralelas do empresário Assis? Em um dia o Grêmio prepara a festa para o recebimento de Ronaldinho e no outro sai da disputa evocando moralidades?

Em entrevista coletiva Ronaldinho disse sobre os clubes nacionais que o disputavam: “No Palmeiras tem o Felipão, no Grêmio é a minha cidade e o Flamengo é… o Flamengo, né?”. Ronaldinho preferiu o Flamengo, mas há pessoas que preferem uma mentira doce à uma amarga verdade. Há pessoas que tentam algo com alguém, ficam ali em cima tentando a conquista e quando ela percebe que a pessoa não quer nada com ela, ela diz que “não quis”. “Eu não quis” cai sempre melhor do que “não me quis”. O que os torcedores do Grêmio e do Palmeiras iriam preferir ouvir: que Ronaldinho não quis jogar em seu clube ou que seu clube não o quis? O que fica melhor para um clube: dizer que abdicou de uma contratação ou que perdeu? O que o torcedor irracional e apaixonado prefere: a mentira da ilusão do poder de abdicar de um jogador ou a verdade da impotência perante a rejeição do mesmo?

Ronaldinho Gaúcho tem todo o direito de jogar onde bem quiser assim como todo cidadão tem o direito de trabalhar onde quiser. O empresário de Ronaldinho tem não só o direito, mas tem o dever de buscar o melhor para o seu jogador e este melhor é em grande parte a contraprestação financeira. Há pessoas que mudam de emprego por dezenas de reais, por que Ronaldinho não poderia escolher o clube por milhões? O mesmo discurso moralista frígido que critica a corrupção da política evoca a “honra” de não se vender ao dinheiro em uma negociação como estas. Mas quem fala isso? Pessoas que jamais passaram e jamais passarão por isso em sua vida, que jamais saberão o que é receber milhões de reais em um mês e que não tem experiência nenhuma na situação mas se acham donos da moral para julgar. Para quem não é tentado é fácil falar de quem peca.

Ronaldinho Gaúcho escolheu o Flamengo porque quis. Um clube como o Flamengo que pelos mais diversos místicos motivos se torna o sonho de todo jogador de futebol no mundo possui força suficiente para derrubar o ídolo da ilusão de torcedores de Grêmio e Palmeiras que acham que Ronaldinho escolheu onde iria jogar apenas por dinheiro. A rejeição pode doer e em meio à tanta paixão que envolve o futebol mais ainda, mas a intensa dor real é e sempre será preferível ao torpor da ilusão. É no encarar da realidade que o homem assume a responsabilidade consigo mesmo e assim desperta e cresce, não na fuga. As pessoas têm escolhas e que devem ser respeitadas, não mitificadas para servir de morfina à dor da rejeição. Ronaldinho disse: “o Flamengo é o Flamengo”. Ronaldinho vai jogar no Flamengo porque quis o Flamengo e o Grêmio e o Palmeiras não são o Flamengo.

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