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  • Rudy Rafael

Poses falsas para fotos nem tão verdadeiras

Do Oriente ao Ocidente a necessidade da inserção social está criando o dever da popularidade e refletindo-se nos restolhos de personalidades estigmatizadas e fracas que se perdem na dicotomia de buscar com todo afinco ser único ao mesmo tempo que dão a vida para serem mais um. Busca-se parecer ímpar enquanto não quer-se parecer isolado. Naturalmente que axiomas contrastantes não poderiam auferir positividade em qualquer personalidade. Quem luta para ser diferente busca pelo grupo pois o grupo será o observador e juiz de seu comportamento e quem realmente não precisa provar-se não faz questão de ser, apenas é. Diante do exposto, o indivíduo passando a ser conduzido pela dicotomia dos axiomas propostos inicia sua jornada no que traduz-se na máxima “Eu não me importo com o que os outros pensam sobre mim, desde que pensem bem” e assim seu comportamento como célula de uma entidade grupal passa a viver sempre buscando parecer aquilo que o grupo lhe compelirá a ser: popular e inserido. Em especial, pela expressão desta dicotomia, o que vem se manifestando mais em detrimento de uma sociedade psicologicamente saudável, e acima de tudo verdadeira, é a questão das fotografias. Imagens utilizadas para provar mentiras de uma sociedade que sublima o seu Eu intrínseco em favor do dever ser.

Diz-se que “uma imagem vale mais que mil palavras” e é verdade. É em uma foto que a pessoa, fazendo um pequeno teatro de poucos segundos, pode faz provar ser aquilo que não é. O triste se faz alegre. O isolado se faz popular. O tímido se faz engraçado. O careta se faz descolado. O apático se faz vibrante. O infeliz se faz feliz. Para quem apenas vê a foto da pessoa entre mil outros, com aquele sorriso de orelha à orelha, aquele cigarrão bonito em uma mão e aquela garrafa bacana em outra, isso representa tudo aquilo que o grupo como entidade quer: inserção. O sistema é uma máquina e cada um é uma peça desta máquina. Ninguém deixa de ser igual por ter uma cultura diferente, mas por deixar de mover esta máquina. Ao grupo não é interessante uma pessoa em casa, sem vícios e que não gaste. Para o grupo quanto mais a pessoa gastar, ainda mais com coisas inúteis, mais ela irá movimentar toda esta máquina da qual todos são parte. Uma pessoa em casa em um fim de semana não gasta com transporte, alimentação, bebidas, cigarros, entradas em casas noturnas e roupas. Isso não é interessante a ninguém. A partir do momento que a pessoa tira fotos em lanchonetes, bares, restaurantes e casas noturnas, com copos de bebida e cigarros, ela não está apenas mostrando mas também prova à sociedade que ela está fazendo a parte dela neste sistema.

Tais fotos poderiam ter um efeito menos trágico à saúde mental da sociedade se mesmo sendo implicadas por um valor social de dever ao menos fossem verdadeiras, o que em várias ocasiões não são. A pessoa é uma tremenda emburrada com a vida e vive de cara amarrada, mas quando vai tirar foto dá aquele sorrisão. A transformação dura apenas o momento do click da foto, passando volta tudo como era. Outros não bebem álcool de forma alguma ou se bebem é tão pouco ao ponto de não perder a consciência, mas ao tirar a foto fazem questão de pegar um copo de bebida para que na imagem pareçam que são grandes beberrões. Há os que não fumam mas pegam cigarros para posar. Os comportados que fazem loucuras. Os que saem sozinhos ou com um ou outro amigo mas acabam juntando as mesas ou grupos que conheceram no momento e que não têm qualquer forma de intimidade e tiram foto todos juntos, a “galera”. Depois, fazem parecer aos outros, ao mostrar a foto, que estavam em um grande grupo de amigos e que são populares e queridos quando na verdade mal sabem o nome de quem aparece ao seu lado na imagem. Para a pessoa pouco importa ela olhar a foto e ver que aquilo é uma mentira. Não importa ver que está enganando aos outros fazendo com que pensem que ela é o que não é. Para ela é melhor que os outros pensem uma mentira “boa” sobre ela do que vejam uma simples verdade.

É pelo poder da foto que as pessoas estão mais preocupadas em tirar uma foto do que viver o momento. Saem de casa para tirar fotos e não para ver o mundo. Viajam para tirar fotos em lugares exóticos mais do que para conhecer tais lugares. Não vivem o momento como um fim em si, mas como um meio e deixaram há tempos de tirar a foto para recordar o momento que viveram para criar o momento para tirar a foto. O momento especial, no lugar especial e com pessoas especiais, e que deveria trazer paz e alegria, perdeu espaço para a ansiedade de voltar logo para casa, descarregar a máquina e postar na internet. Como saem para tirar fotos após tirá-las já não tem mais o que fazer, então chegam até a voltar antes. Os amigos lhes serviram para mostrar inclusão na foto; depois de tirar a foto pouco importa deixá-los. Chegando em casa, para os que não tiraram as fotos, a memória do momento recém passado foi obstruída pela expectativa de receber as fotos de quem as tirou. Ao confirmar um evento, uma viagem, um momento, o primeiro pensamento é sobre as fotos que irão tirar e não o momento em si. Namorados interrompem momentos e desconectam-se para cada segundo fazer poses para fotos. Os relacionamentos amorosos perderam o que tinham de mais sagrado para dar margem à exposição pela necessidade de provação. Não basta mais não estar só, é necessário prova explícita. O poder da imagem fotográfica é evidente no mundo atual. A foto adquiriu poder gerador e cria a idéia daquilo que nem sempre condiz com a realidade, como a mentira. Entretanto, acaba sendo corroborada pela escravização pelos sentidos, todos a vêem. Ninguém nega aquilo que vê em uma foto mesmo que tudo seja uma grande mentira.

O que importa acima de tudo é ser verdadeiro, seja esta verdade “boa” e aceita ou não. Quem é introvertido não precisa tirar fotos sorrindo pra mostrar que é extrovertido, da mesma forma que ninguém precisa tirar foto com cara de cachorro sem dono pra fazer transparecer uma melancolia, autismo ou indiferença que não existem. Quem tem poucos amigos ou um único só não precisa sair por aí e juntar um monte de gente pela qual não tem apreço algum apenas pra tirar foto para mostrar ser popular. Ninguém precisa tirar foto com copo de bebida na mão. Beber álcool não torna ninguém melhor que ninguém, da mesma forma que fumar. Uma foto deve ser uma mera representação do que é uma pessoa, não uma transfiguração. Fazer teatro para tirar foto fazendo parecer que é o que não é é uma mentira e quem isso faz deve estar ciente disto cada vez que olhar a foto e cada vez que ver as outras pessoas sendo levadas a acreditar nesta encenação. Quem olha as fotos deve cuidar para não incidir em juízos de preconceito achando que uma pessoa é bacana só porque tem um monte de foto com um monte de gente mostrando um monte de alegria. Não é por alguém ter um monte de fotos sorrindo que é feliz e não é por alguém não ter fotos sorrindo que é infeliz. Muitas vezes isto é apenas uma mentira. Materialismo não é apenas querer e buscar bens materiais mas a dependência da matéria. O impacto subconsciente de uma lembrança sempre será maior do que a memória de uma imagem. Fotografias não podem estar com alguém o tempo todo e em toda parte, mas o que está no coração sim. Os melhores momentos da vida são vistos com os olhos fechados.

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